-Ó senhora avó, porque não há escola aqui na aldeia?

A minha mãe, andou aqui na escola!...

Porque estão as janelas e a porta sempre fechadas?

Eu queria ver a escola por dentro, senhora avó!!!

-Sabes minha querida neta , aquelas portas fecharam-se para sempre, no ano em que tua mãe fez a quarta classe!

Foi o último ano, que a aldeia ouviu os gritos das crianças, ritmados em músicas desafinadas!

Foi o último ano, em que as janelas tiveram vida! Em que a sala teve o pulsar de pequenos e frágeis corações! Em que o soalho de tábuas de pinheiro, foi gasto pelos socos e pés descalços! Em que o recreio rasgou a terra, com a corda que quebrava os ares e com a macaca que voava com asas no vago dos riscos tremidos!...

-Porquê senhora avó?! Porquê?!...

-Senta aqui, Ritinha, senta aqui, nesta pedra de vida vazia, nesta pedra onde tanta vez sepultei meus segredos e onde jazem minhas mágoas e lágrimas!

Sentadas naquele penedo, peregrino do tempo, cerne do mundo em ruínas, a avó Maria contou, naquele dia vestido de sol, as mais lindas histórias que a pequena Beatriz, tinha ouvido! Desfolhou-as nas horas e desnudou o coração naquela ranhura que deixou escapar do seu peito!

Falando com os gestos e com o olhar, foram bailando palavras que nunca antes a pequena criança tinha ouvido!

-A nossa aldeia, é uma aldeia perdida de todos! Estamos aqui nos confins do mundo e ninguém que por cá passe, quer ficar!

As senhoras professoras, minha neta, mal chegavam logo partiam!

Tinham medo do cheiro da morte e recusavam-se a ensinar as letras escritas com seu próprio sangue.

Os anos adormeciam nos sonhos das crianças e os dias eram tingidos pelo cinzento da melancolia que caía noite após noite na escuridão...

-Porquê senhora avó?!

Porquê as senhoras professoras iam embora?!

A nossa aldeia é a mais linda do mundo!.. Parece a montanha da Heidi, avó!!

-Pois é Beatriz, mas para as senhoras professoras era uma aldeia fantasma! Não tinha telefone, não havia onde comprar peixe, carne, pão! Nem sequer uma televisão havia!...Como poderiam ficar as senhoras professoras? Como?!

-Minha mãe contou-me que teve sempre a mesma professora,senhora avó!!

-Foi uma linda história, essa! Ainda hoje sinto arrepios e meu corpo estremece de felicidade, a lembrar-me...

Com a boca sequiosa, gemendo doces ais, a tia Maria, com as pontas dos dedos, ia passando as contas do rosário, rezadas à pressa sem orações.

Com um brilho ténue no olhar mortífero, aconchegou a neta para o peito e começou...aquele relato fiel, mais parecido com uma novela.

-A tua mãe ia entrar para a escola no dia sete de outubro de mil novecentos e setenta e cinco. Teu falecido avô, que Deus o tenha, andava preocupado e durante três dias foi para a serra do moínho, esperar uma senhora professora.

Ali passou os dias, suspenso nos fios frágeis da esperança. Levava o burrinho, aquele que morreu de velhice e de tanto carrego que se lhe pôs às costas...

-Senhora avó, para que levava o senhor avô o burrinho?!

-Para carregar a senhora professora minha neta! Como podiam uns pés tão delicados caminhar naquele carreiro de cabras? O burrinho era para a senhora professora montar e chegar sã e salva aqui à aldeia!..

-E depois, senhora avó?! E depois que aconteceu?! ...

-Calma, minha neta, calma! À nossa terra, chegou naquele ano, um anjo! Um anjo que Deus nos enviou !

...Mas que anjo!

Que será feito dessa bondosa senhora?!

Que será feito dela?!

Que Nossa Senhora de Fátima a abençoe, pois ela merece! ...

Gostava tanto de voltar a ver aquela senhora professora com os cabelos cor do ouro! Vê-la e sentir o abraço dela que era tão diferente dos outros!...

Celeste Almeida: Autora do texto

Publicado em
8/8/2023
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Caminhos na História
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