Hoje trago à tona um tema pouco explorado, criação de um polivalente pensador contemporâneo de nacionalidade chilena (descendente de judeus/russos), Alejandro Jodorowsky.

O tema é a Psicomagia, como terei oportunidade de aprofundar neste e nos próximos artigos a escrever neste blog, não sem antes dar uma breve pincelada sobre a vida do autor.

Alejandro Jodorowsky é autor de 12 livros, incluindo de poesia e de banda desenhada (desenhos animados), nos quais espraia conhecimento e ciência: “O Topo” – 1970 -, “A Montanha Sagrada” – 1973 -, “Duna de Jodorowsky” – 2013 -, “Fando e Lis” – 1968 -, “O Ladrão do Arco-Íris” – 1990 -, “ A gravata” – 1957 -, “Psychomagic, An Art That…” – 2019, são obras deste autor/realizador que, além do mais é também actor, encenador, poetadramaturgo, Tarólogo, Psicólogo e Terapeuta (Psicomago como o mesmo se intitula).

Os seus filmes alcançaram o estatuto de filmes de culto, como “TUSK” e “DUNA”, tendo o mais recente, “PSICOMAGIA”, estreado em França em 2019, não se sabendo quando será a estreia em Portugal, no qual nos mostra uma técnica de terapia para curar e libertar as consciências através da arte: “A psicomagia trabalha com atos poéticos, experiências. A psicanálise custa dinheiro e pode durar vários anos. A psicomagia é grátis”, conta o autor em “Psicomagia”.

Em entrevista à Euronews, concedida em 12 de Setembro de 2019, considerou o que infra se transcreve, referindo-se à importância do seu método da cura através das artes: “Quero que o cinema sirva para curar os problemas espirituais, os meus, os dos outros e os da humanidade. Quero que o cinema tenha o mesmo valor que um texto sagrado, para que entremos profundamente em nós mesmos”.

Nasceu, no ano de 1929, em Tocopilla, um pequeno aldeamento chileno, junto ao mar, território que já antes havia pertencido ao domínio do Peru e da Bolívia e conta atualmente 91 anos de idade.

Em Tocopilha e com o andar dos anos pela diáspora, onde estudou e trabalhou, inclusa a França para onde viajou, no ano de 1953, no intuito de aprender mimica, conviveu regularmente com escritores, filósofos, poetas, mágicos e curandeiros.

Toda a sua vida, apesar de multifacetada, foi casuística e fortemente marcada pelos mistérios do Tarot: dessa atração, do seu acervo de vida e da sua ampla compreensão sobre a sociedade e sobre a ligações familiares ressoou a corrente metodológica do autor – A Psicomagia -.

A sua aldeia Natal, Tocopilla, coincidentemente ou não, situa-se no paralelo 22. O Tarot tem 22 arcanos maiores, facto que, desde de tenra idade, não passou incólume à superstição do autor.

Cada um dos 22 arcanos encontra-se desenhado dentro de um retângulo composto por dois quadrados (o quadrado superior simboliza o céu e a vida espiritual e o quadrado menor simboliza a terra e a vida material). No centro do retângulo encontra-se um terceiro quadrado, mais diminuto, que simboliza o homem – “a união entre a luz e a sombra”, aberto ao que vem de cima e laborioso na terra.

Voltemos então a Tocopilla e ás “coincidências” com o tarot:

em quéchua (língua de um antigo povo índio, pré-colombiano, que se estabeleceu nos andes do atual Peru e da Bolivia), Toco significa «duplo quadrado sagrado» e Pilla significa Diabo (terminologia que neste caso e segundo Jodorowsky não é uma assombração do mal, “mas um ser de uma dimensão subterrânea que assoma por uma janela feita de espirito e de matéria, o corpo, para observar o mundo e transmitir-lhe conhecimento).

Entre os mapuches, povo índio que aquando da conquista espanhola, habitava no sul do Chile, Pillán significa «alma, espírito humano chegado ao seu estado definitivo».

A este preceito nenhuma outra consideração pode ser mais elucidativa do que relembrar o que a este respeito diz o próprio Jodorowsky: “Às vezes interrogo-me se me deixei absorver pelo Tarot a maior parte da minha vida, devido à influencia que exerceu sobre mim o facto de ter nascido no paralelo 22, numa aldeia chamada duplo quadrado sagrado – janela por onde surge a consciência -, ou se não terei nascido ali apenas predestinado para fazer unicamente o que fiz, passados sessenta anos: restaurar o Tarot de Marselha e inventar a psicomagia. Será que existe um destino? É possível que a nossa vida esteja orientada para fins que ultrapassam os interesses individuais?”

Outra “coincidência” da vida deste ilustre, não muito conhecido, terapeuta foi o facto do seu primeiro grande mestre, no primeiro ano de escola em Tocopilla, se chamar Toro, muito parecido a Tarot.

Toro, por razões que só o próprio poderia atestar, ensinou Jodorowsky, então apenas com 4 anos de idade, a ler através de um método diferente do método convencional: mostrou-lhe um baralho de cartas com uma letra inscrita em cada carta, pediu-lhe para baralhar as cartas. Ato contínuo tirou aleatoriamente cartas do baralho e com as mesmas formou algumas palavras.

A primeira palavra que se formou foi OJO (OLHO). Jodorowsky rapidamente aprendeu a ler. No que a esse facto concerne, ter-lhe-á dito Toro: «». Não me surpreende que aprendas tão depressa, porque no meio do teu nome tens um olho de ouro». E colocou-lhe assim as cartas - «Alexandr OJO D ORO wsky

Jodorowsky aprendia tão facilmente que rapidamente foi colocado em sala de alunos mais velhos, maioritariamente filhos de mineiros desempregados («a derrocada da bolsa norte-americana tinha deixado na miséria 70% dos chilenos», palavras de Jodorowsky) em nada simpatizaram com ele, desde logo por ser superiormente dotado para o ensino e para a leitura.

Como Alejandro era descendente de judeus russos, tinha a pele muito branca e o nariz grande e um pouco curvilíneo, rapidamente o alcunharam de “Pinóquio” e de “Pernas de Leite”. Com os amigos que Alejandro tinha na escola, não precisava de inimigos e por isso protegia-se numa pequena biblioteca local, onde via e lia continuadamente um diversificado acervo de literatura.

Como o próprio conta, no seu Livro “A Dança da Realidade”, Editora A Esfera Dos Livros, pag. 12 e 15, “um dia, ao esgravatar por entre as filas de impressos, encontrei um volume amarelecido, «Les Tarots, par Etteilla». Por mais que tentasse lê-lo não conseguia. As letras tinham uma forma estranha, e as palavras eram incompreensíveis. Tive medo de me ter esquecido de ler. O bibliotecário, quando lhe transmiti a minha angústia desatou a rir: «Mas como é que hás-de compreender: está escrito em francês, ….».

Jodorowsky ficou vislumbrado com esse livro e apesar das suas limitações linguísticas compulsou-o insistentemente e absorveu do mesmo tudo o que para ele era absorvível, através das imagens, dos símbolos e da eventual semelhança entre algumas palavras.

São várias as incidências de vida de Jodorowsky que se conectam com o Tarot e só por economia de tempo não as enuncio todas no presente artigo.

Em recente entrevista à Euronews, a base do seu método de cura é explicada pelo próprio: “Ao mesmo tempo, estou no meu passado, estou aqui agora e estou no meu futuro. Sou aquele que serei. E o que eu serei está totalmente inscrito em mim, em nós. O futuro está aqui e agora em nós, no mundo, em cada objeto, em cada ser. O futuro, o passado e o presente são um todo”.

Nesta entrevista descodifica ainda a simplicidade do seu método: “Faço uma árvore genealógica e vejo a família, desde os irmãos aos bisavós e tiro as minhas conclusões sobre as causas de certos problemas. Basta mais uma hora para se dar o ato de psicomagia, em que a pessoa se apercebe que ela é a sua própria curandeira”. E remata da seguinte forma: “A magia é tudo o que é misterioso. É positivo na nossa vida mas não sabemos o que é. É o mundo do inconsciente. O mundo misterioso que está no nosso cérebro. Ninguém conhece completamente o seu cérebro. Como não conhece completamente o planeta terra, o que está no interior, como não conhece de que é feito o universo, nem porquê”.

No próximo artigo incidirei mais exaustivamente sobre o seu método de cura – a psicomagia – que parafraseando o próprio Jodorowsky “é uma arte para curar a alma”.

Publicado em
9/9/2020
na categoria
Espiritualidade
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António M. Pais Silva

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