A tarde escondia-se nos montes quando chegamos a Bustelo da Lage.

A aldeia parecia desenterrada de um filme fantasma.

Uma senhora embrulhada numa capucha com um fuso a dançar nas suas mãos e um cestinho cheio de lã pendurado no braço, caminhava atrás de cinco vacas. Os animais iam apressados e uma vaca levava as tetas tão cheias de leite, que foi fácil adivinhar ter um bezerrinho no curral à espera da mamada.

Minha irmã parou o carro e perguntou- lhe se Pimeirô ainda ficava longe e como fazer para lá chegarmos.

- Se vão para Pimeirô, sigam a estrada e mais à frente vai aparecer uma aldeia de nome Vila Boa.

Irão encontrar alguém que vos ensinará o melhor lugar para começarem a subir a serra porque não há estrada que vos leve a essa aldeia! Vai ser muito difícil chegarem lá, mas sigam o carreiro mais batido e a primeira localidade que vos aparece é Pimeirô!

Com o peito cada vez mais apertado e o coração aflito, minha mãe apertava-me a mão com tanta força que me magoava os dedos.

Não tínhamos percorrido muita estrada, se é que aquele caminho térreo se poderia chamar estrada, quando surgiu a dita aldeia.

Minha irmã parou o carro junto das primeiras casas.

Um rapazinho encostado ao muro guardava um rebanho que se saciava nas ervas viçosas.

Descalço, com uma sachola na mão, dirigiu-se a nós!

Parecia perceber que precisávamos de ajuda!

Depois de algum tempo de conversa, meu pai abriu a bagageira do carro e tirou a minha mala de cartão vermelho, a mala que eu sempre enchi com minha fé, minha esperança e meus sonhos. A mala que todos os dias, eu vejo, aqui, num cantinho da minha casa.

É verdade que está vazia de roupas, mas está cheia, muito cheia das vivências que escreveram tantos capítulos da minha vida! E que capítulos!

Acreditem, que os voltaria a viver com a força da minha juventude, pois deles guardo as memórias mais felizes da minha vida! Depois de Ramires, não havia dúvidas!

Eu estava num outro cenário de sonho, digno do mais belo filme de fantasia! Aventureira, com o peito a transbordar de alegria, subi para um morro rochoso e estendi meu olhar.

Estava no paraíso, noutro paraíso como aquele que Deus me tinha dado para viver em Ramires!

Tudo se repita!

Vegetação rasteira e verdejante, montes e mais montes, um retrato genuíno do interior profundo.

Mas...o insólito aconteceu!

Ainda nossos pés não tinham sentido a rudez dos trilhos sinuosos, um senhor apareceu montado num elegante cavalo. De imediato, saltou do animal, destapou a cabeça, curvou-se e educadamente, disse:

- Boa tarde! Peço desculpa, mas permitam que pergunte se aqui vem a senhora professora de Pimeirô? Eu sou de lá e chamo-me Manuel!

Não deixei mais ninguém falar, tal foi a emoção que senti naquele momento!

- Sim, sou eu, eu sou a professora de Pimeirô!

Sem demoras, tirou a mala das costas do meu pai, colocou o lindo cavalo perto de mim, acariciou-lhe o lombo e muito carinhosamente falou:

- Senhora professora, eu ajudo-a a subir!

Este é o único transporte que a levará até à nossa aldeia que ainda fica distante!

A senhora não vai aguentar a caminhada!

Depois, virou-se para os meus e continuou:

- Podem ir com Deus e Nossa Senhora, a senhora professora será muito bem tratada por toda a aldeia!

- Muito obrigada, senhor Manuel, mas já será muito útil se nos ensinar o caminho para lá chegarmos!

Meus pés serão o meu transporte!
-disse eu.

Escusado será dizer, que ninguém foi embora!

O percurso foi feito a invadir o senhor com mil perguntas! Queria saber tudo da terra que iria ser também a minha!

Cansada? Nem pensar! Quantos mais passos dava, mais vontade tinha de continuar os trilhos da minha vida!

Depois de algumas horas a calcorrearmos os montes, um canastro foi a primeira construção da aldeia que indicava termos chegado. As espigas espreitavam entre as ripas de madeira, o telhado de colmo ressoava de tantos suspiros que o milho dava lá dentro e eu, eu só queria ver a minha escola!

As poucas pessoas da aldeia, olhavam-me com uma mistura de alegria e tristeza!

Uma senhora com um lenço preto amarrado à cabeça e couves no regaço do avental, repetia para as outras :

- Não vamos ter sorte!

O ano passado tivemos doze e este ano vai ser igual!

Esta menina não vai ficar para ensinar nossos filhos! Infelizmente, não vai ficar!

Eu fingia nada ouvir! Só pedia que me levassem à minha escola!

- Por favor, menina, leva - me à escola! Tu vais ser minha aluna, certo!

O silêncio tomou conta das pessoas.

A aldeia fechou-se na palidez do Outono!

Afinal, a escola estava ali, bem à minha frente, só eu não a conseguia ver!

Aquela casinha tão velhinha, com uma porta grossa de pinho, uma janela com os vidros partidos, o soalho todo roto...

era a minha escola que envergonhada me dava as boas vindas!

Eu entrei! Senti-me abençoada pela imagem que estava na parede:

Cristo na Cruz!

Agradeci-Lhe por, mais uma vez, me ter levado até às gentes mais maravilhosas do mundo e prometi-Lhe fazer daquela casinha velhinha o mais belo palácio onde as crianças eram as mais belas flores que perfumavam os meus dias.

Celeste Almeida, a autora do texto

 

Publicado em
20/2/2023
na categoria
Caminhos na História
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