No tempo, em que a Serra do Montemuro ainda era virgem e, os montes eram chão trilhado de dor e sofrimento, as piores coisas inimagináveis podiam acontecer.

Conta-se que, há muito, muito tempo, uma mulher de Vale Abrigoso, foi ao monte de Santa Helena buscar lenha. O vento soprava com ferocidade. A chuva caía em gotas rasgadas, no burel da capucha.

Tia Alzira secava o pranto na roupa molhada.

O silêncio daquele Santuário acordava os sentidos do murmúrio do calvário.

Com o terço na mão, deu nove voltas à capelinha, mastigadas com as contas dos mistérios.

Rezava à Santa Helena, solicitando a salvação do filho que combatia na guerra da Índia.

No final da novena, ajoelhou-se na soleira da porta fechada e erguendo os olhos ao Céu, fez o Sinal da Cruz.

O dia ia avançado nas horas.

O frio espetava-lhe o corpo.

Com a enxada, arrancou as cepas de urzes e giestas das raízes do chão, que amarrou num molho. Deu corda ao pneu dos tamancos e com o carrego à cabeça, caminhou entre a rudez do monte.

Poucos passos ainda tinha dado e, a lenha tornou-se demasiado pesada. Pensou, que seriam os nós dos troncos, que inchavam com a água caída dos céus. Mas, o peso crescia escondido entre espinhos que lhe sangravam a cabeça.

Rendida pelo cansaço, retirou algumas cepas do feixe.

Pelos trilhos íngremes, reiniciou com esforço a azáfama agreste, cada vez mais curvada pela carga daquela cruz. Se mais lenha tirava, maior era a fadiga.

- Isto é obra do Demónio, só pode! É o Chifrudo que me está a atentar!

Apavorada, atirou o atado por terra e com muita fé, orou:

- São Cipriano, que pela graça divina Vos convertestes à Fé de Nosso Senhor Jesus Cristo,  Vós que possuístes os mais altos segredos da magia, construí agora um refúgio para mim, contra meus inimigos e suas ações nefastas e malignas.

Pelo merecimento que alcançastes, perante Deus Criador do Céu e da Terra, anulai as obras malignas, fruto do ódio, os trabalhos que os corações empedernidos tenham feito ou venham a fazer contra a minha pessoa e contra a minha casa. Com a permissão do Altíssimo Senhor Deus, atendei à minha prece e vinde em meu socorro. Pelo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Assim seja.

De repente, toda a lenha voou pelo silêncio da Serra e um ronco se fez ouvir em toda a redondeza.

- Vai-te Belzebu, para as profundezas do inferno.

- Estenda Senhor meu Deus as Suas mãos poderosas e proteja- me das forças malignas e todas as ações de Satanás.

No monte de Santa Helena, no sitio onde a lenha voou leve como uma pluma, existe ainda uma árvore velhinha, que ficou para guardar as memórias daquele dia.

Toda a pessoa, que encostar sua orelha ao tronco, pode ouvir vindo de uma boca enorme e rugosa, o ronco que ecoa ainda no horizonte, soprado pela maldade do Demo.
Fotos do arquivo pessoal

 

Publicado em
1/5/2022
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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