Francelina cantava a vida nas encostas da serra, desfolhadas pela cor do sol.
Lavava as mãos com o aroma das urzes e beijava os pés com a essência das maias.
Tudo nela sorria.
Seu corpo, erva tenra da juventude, ondulava no silêncio do amor que a fazia feliz.
Desde os dezasseis anos, que o monte era seu confidente. Guardava os segredos do seu coração, ocultos durante sete anos.
Enquanto as cabras pastavam, respirava o mesmo ar do seu namorado e saciava a sede da paixão vestida de virgindade.
Marco, um jovem bonito e bem falante, era a perdição de todas as raparigas da aldeia de Grijó.
Trindade morria de amores naquele amor não correspondido e cobria Francelina, com um manto de inveja.
Aquela, que fora a sua maior amiga, semeava na terra batida, as maleitas que ela colhia no regaço rasgado. Bastava cruzar-se com ela, para a dor lhe dominar a alma.
O mês de Agosto, dava entrada ao seu vizinho.
Todas as raparigas e rapazes da aldeia resolveram assistir a um dia da novena, à Nossa Senhora do Refúgio, no lugar do Fojo. Saíram com o cantar dos galos e cantando e rindo, subiram a serra coberta de vivacidade e esplendor.
Francelina começou a deixar os pés para trás. Os olhos suados não queriam ver a luz do dia. A cabeça ardia no peso da cesta com a merenda. As mãos caíam no regaço molhado. Tudo era dor e sofrimento, fortalecido nos olhares terçados de Trindade.
Ao chegarem à capelinha, aberta para o céu, Francelina sentou-se num banco em oração, abençoada pela Nossa Senhora. De lá não conseguiu sair, a não ser na hora do crepúsculo, para em grupo regressar a casa.
- Senhora Mãe, não sei o que tenho. Tudo em mim é sofrimento. - queixou-se a infeliz, ao mesmo tempo que bocejava sem parar.
- Ó minha filha, tu estás carregada de mau olhado. Olha teus olhos sem brilho e teu rosto branco, como essa blusa que vestes. Põe água na bacia, enquanto eu vou buscar a almotolia do azeite.
Agarrada à fé, a Tia Adelaide deixou cair cinco gotas de azeite, na água da bacia.
Imediatamente, o azeite se espalhou no esmalte fundido.
- Minha Nossa Senhora do Fojo, puseram-te o mal de inveja, minha filha! Mas, com ajuda do divino manto da Santa, tudo vai passar.
Pegou numa imagem da Senhora, que tinha comprado há longos anos e mandou a filha encostá-la ao peito, rezando em silêncio. Depois, começou a prece em voz alta, ardida num ramo de rosmaninho benzido.
- Nossa Senhora defumou o Seu amado Filho para bem cheirar. Eu, também, defumo minha filha Francelina de Jesus, para que todos os males se curem e o bem possa entrar.
Deus encante quem te encantou, dentro deste corpo este mal entrou. Assim como o sol nasce na terra e se põe no mar, que todos estes males para lá vão passar. Virgem do Pranto, tirai este quebranto. Virgem do Pranto, livrai Francelina deste mal de inveja. Virgem do Pranto, afaste este mau olhado que nela entrou.
A Tia Adelaide enquanto orava, os olhos eram nascentes de lágrimas cristalinas como a da fonte do Fojo.
A boca abria-se e fechava-se, ao mesmo ritmo da sua filha.
Francelina desatava o laço que tantas e tantas vezes a atormentava e sentia-se leve como o ar que lhe aliviava a testa.
- Senhora Mãe, já estou muito melhor. Tudo está a ir para o alto mar.
- Nossa Senhora do Refúgio ouve-nos sempre. Basta pedirmos com muita fé, que Ela nunca nos falta.
Agora, evita essa pessoa que tanto mal te quer. Afasta-te dela e traz contigo pendurado no colete, um raminho de arruda, para espantar o mau olhado.
Nunca saias de casa sem o levares dentro da roupa. Ele te livrará do mal.
Eu, nas minhas orações da noite e da manhã, irei responsar-te e suplicar à Nossa Senhora do Refúgio, que te abrigue no seu colo.
Tia Adelaide entrou no céu.
Deixou à sua filha o rosário das suas preces.
Agora, não chegam os cabelos entrançados nos mistérios do caminho da cruz, para contar as vezes que livrou e continua a livrar as vítimas deste flagelo, que polui o horizonte colorido da Serra do Montemuro.
