Os gritos da tia Maria ouviam-se no vale do silêncio, naquela noite que marcava os passos da vida, na escuridão do monte que lhe dizia adeus.

Sem pedir licença a morte entrou pela porta carcomida da sua casa, arrastando as folhas partidas do inverno.

O quarto seco de tanto sofrimento, afogava num deserto sanguíneo os suspiros desamparados daquela mulher tão guerreira que sempre tricotou com o linho da solidão, os lençóis que lhe aconchegavam o corpo.

Tinha chegado a hora de parir.

Abandonada pelo marido, sem nunca saber que deixou para trás um rebento seu, viu-se sozinha no mundo daquele universo sem lua e sem estrelas.

Os ventos uivavam nas dores das contrações.

Tia Maria chorava num misto de amargura e felicidade. Orava a Deus que lhe desse de presente a luz que a iria iluminar para sempre no caminho das trevas.

Os olhos, fonte de lágrimas, sorriam agradecendo ao Senhora benção celestial que os anjos lhe viriam trazer.

Mas... As asas dos anjos deixaram cair suas penas no corpo contraído e arrastaram-na para a colina da morte, sem a deixarem sentir a flor mais bela da montanha!

Com toda a sua força...a sua última gota de sangue, põe no mundo uma criança e seus olhos fecharam-se para a eternidade!

Uma criança cai no cobertor frio da vida.

Sem o peito quente da mãe, cansada de desafiar o mundo, o tempo parava naquele fruto tão tenro e indefeso.

Lado a lado, mãe e filha dormiam um sono profundo...

Um anjo voltou.

O Anjo da Guarda voou e arrancou do anjo negro aquela criança que ainda pulsava na esperança desmaiada que batia no coraçãozinho exausto.

O Anjo da Guarda, sua avó Matilde que lhe deu a beber o cálice da felicidade que nunca deixou ficar vazio.

Cada madrugada era um dia mais a viver.

A pequena, de nome Maria da Luz, desperta nos beijos em cada nova manhã.

É a frescura do campo na pele rugosa da sua avó...é a brisa da água pura que corre nas suas entranhas...

é a quietude daquela casa, onde a presença do dia memorável é tão real que se entrelaça no sentimento mais raro que sussurra nos gemidos que ninguém escutou...

Hoje, a pequena, não se cansa de contar a sua história de um realismo comovente ao amigo de infância que vem passar as férias de natal à sua aldeia serrana.

Ricardo chora com ela...depois, uma melodia perfuma o ar e aconchega-os nas notas musicais da flauta mágica que cultiva os sonhos e dança uma valsa todas as noites, até Maria da Luz despertar.

As folhas tornaram-se pó...o frio e a neve cobrem a serra...o azevinho perfuma-lhe o rosto...o olhar é uma estrela cintilante...o coração é uma montanha que lhe segura a mão e a leva nas asas dos Anjos com a alma leve de tanto amar...

Maria Da Luz nasceu da morte para ser um raio de sol a entrar pela janela que abraça a Vida... todos os dias da sua vida...

Arquivo pessoal

 

 

Publicado em
16/12/2021
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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