Já lá vão alguns anos!

Alguns largos anos!

Estávamos na década de setenta.

Virei as costas à minha linda aldeia, Canedo do Chão na freguesia de Mangualde, berço onde nasci, embalada numa enxerga de palha, pelas mãos calejadas de meus Pais e irmãos mais velhos.

Com todos eles, aprendi que o trabalho é a força telúrica que universaliza o arado que lavra a terra mãe.

Aprendi, que a humildade se cultiva no chão de feno, onde nascem os lírios e as violetas.

Enfim...com minha família, cresci em valores desprendidos de qualquer materialismo, pois já meu Pai afirmava várias vezes, que sermos lembrados pelo que fomos e não pelo que tivemos, é a maior recompensa que se leva desta vida.

Pisei o chão do concelho de Cinfães e de Castro Daire pela primeira vez, trazendo numa mala vermelha de cartão a realização de um sonho que me deu a mão desde criança.

Era um sonho escrito nas lousas de ardósia, apagado na fragilidade dos dedos e no astro rei renascia, dia após dia. Sem ele, não me revia neste mundo. Acreditava piamente na minha função de docente, numa entrega total, enfrentando labirintos e encruzilhadas.

A resiliência adquiri-a nas cepas das urzes que me aqueceram nas noites frias de inverno. A saudade urdi-a nos fios de lã emaranhados em cima da capucha que embrulhava os pés descalços das crianças que afaguei. Nos penedos libertava os meus medos e guardava os meus segredos.

Segredos que cobrem muitas folhas brancas e fazem parte da minha história.

Hoje, essa história é o eco da existência de outrora, com retorno de uma vida de ontem, de hoje e de amanhã.

Selei corações de mãos dadas.

Fiz mover moinhos na levada dos afetos.

Teci teias vendo o colmo chorar em cima das castanhas do caniço.

Foram muitos os silêncios que ouvi.

Foram muitas as preces que orei.

Foram muitas as vezes que dancei ao toque da flauta do pastor e rodopiei com a fúria do vento.

Foram muitas as vezes que deixei a marca dos socos na neve e num manto branco brinquei feito criança.

Aqui, nas "Terras Altas", onde os senhores da noite amedrontam as aldeias que dormem e as mouras encantadas acordam de um sono profundo, colhi searas na aridez dos alqueves.

Aqui, nas "Terras Altas " onde as mãos cheias de nada cozem o pão amassado no cansaço e abençoado pelo S. Mamede, está o terço das memórias que escrevem a história da minha vida.

Uma história inacabada , sem tempo nem hora, porque a palavra fim só a Deus pertence .

Vou continuar até os dias serem noite.

Subo e desço este mar verde que foi pasto de rebanhos vindos de longe. Procuro refúgio nas capelinhas solitárias e acendo as velas que encontrar apagadas nos nichos, onde o Povo suplica alívio para suas mágoas e aflições.

Celeste Almeida: a autora deste texto
Publicado em
2/2/2023
na categoria
Caminhos na História
Clique para ver mais do autor(a)
Celeste Almeida

Mais do autor(a)

Celeste Almeida

Ver tudo