A tarde voou num dia de intensa chuva.

O calor que aconchegava a casa, enchia o ar de uma neblina mágica com toques de mistério naquela noite.

A noite do renascimento, em que o céu tinha ganho uma estrela tão brilhante que soprava as densas labaredas da fogueira.

Arquivo pessoal

As horas que se seguiam quando o dia terminara, eram polvilhadas de sonhos cheios de canela, amassados nas mãos que palpitavam de emoções.

As bocas das panelas cantavam suspiros que aqueciam o coração.

As pernas férreas dançavam valsas presas nas brasas.

O tronco que ardia, mais parecia uma varinha de condão, ali esquecido por uma fada, ou algum anjo.

Um tronco que iria pôr na mesa de pinho, a mais saborosa ceia de natal.

As crianças brincavam.

Jogavam ao jogo do rapa e gritavam alegremente, sempre que o montinho dos pinhões ia para uma meia de lã ainda por estrear.

- Ganhei, ganhei! Esses pinhões são meus!

Dizia eufórica a Francisca.

- São meus, são meus...tu fizeste batota! Jogaste duas vezes... tinha-te saído o "P"...tinhas que pôr todos os pinhões que ganhaste ...são meus, os pinhões!

Argumentava, zangado o Gonçalo.

Por baixo da mesa, pontapés eram abafados no frenesim dos sorrisos doces das crianças.

Mas, um mais forte, levou a Francisca, a queixar-se:

- Ai, ai...a minha perna! Mãe, avó, o mano bateu-me!

- Então, meninos, o que se passa?

Francisca levantou-se da mesa e apoiou os cotovelos na janela.

Foto: Jelleke Vanooteghem - Unsplash

A geada espetava-se nas agulhas do grande pinheiro que repousava nas horas lentas.

A água da poça mais parecia um espelho gigante, onde a montanha da lua se tinha escondido.

Lá fora era outro mundo.

Um mundo escuro e frio.

Um mundo solitário, feito de silêncio...um silêncio que rasgava a respiração das ervas mais tenras do monte.

Francisca, viajou... para longe, e entrou num lugar sem casas, sem tetos, sem lareiras...mas com gente, muita gente à espera de um abrigo, uma malga de caldo quente, uma brasa que lhes aquecesse os corações famintos de tudo.

Foto: Lucas Metz - Unsplash

Caminhou lado a lado com outras crianças.. sentiu o medo, a fome, o abandono, o vazio...e chorou, chorou tanto que as lágrimas fizeram soltar os seus cotovelos do peitoril da janela. Sua cabeça caiu desamparada na pedra. Gotas de sangue correram-lhe na testa...

- Minha filha...que aconteceu? Tu adormeceste aqui, à janela! Magoaste-te, meu amor? Deixa curar-te...

- Não, mamã, eu não sinto nenhuma dor...a maior dor, está no meu coração e viaja longe, de braço dado com tantas crianças que eu conheci durante o meu sono!

Crianças que estão lá fora à espera de uma noite de natal...que nunca vai acontecer!...

Foto: Luke Pennystan - Unsplash

 

 

 

 

Publicado em
16/12/2021
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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