O vento frio soprava forte e ondulava as águas do corgo. Os galos cantavam ao desafio e anunciavam o ressurgir do dia. O sol despertava no horizonte e rasgava as nuvens suspensas nas ervas do monte.

A Morena mugia no curral, fazendo soar os chocalhos presos ao pescoço.

Tia Donzelina acordou cansada.

Levantou-se da cama, vestiu a saia por cima do saiote de flanela e a blusa de chita a tapar-lhe o colete que ela mesmo tinha costurado para segurar as mamas e dirigiu-se à cozinha.

Num colchão de palha estendido no chão, dormia o pequeno 'Manel Jaquim'.

- Anda, 'Manel Jaquim', toca a levantar! A Morena tem que ir ao monte pastar e hoje, sabes bem que é dia de cozer o pão. Vamos! Levanta-te, ou queres chegar tarde à escola?
- Benção, senhora Mãe!
- Deus te abençoe, meu filho!
- Senhora mãe, ainda é tão cedo! - disse ensonado o pequeno.
- Vamos, rapaz! Os galos já cantam e as estrelas já foram para o outro lado do mundo! Levanta-te, pois a vaca precisa de comer! Hoje, leva-a para o monte do castanheiro, que é mais perto. Como está prestes a parir, em qualquer momento pode entrar em trabalho de parto.
- Anda, salta daí! Assim que o sol se erguer nas folhas do castanheiro, vem embora, pois a senhora professora não gosta que chegues tarde à escola.

O pequeno 'Manel Jaquim', apenas com seis anos de idade, atirou com a manta de lã que lhe tapava o corpo magricela para o chão, espreguiçou-se, lavou os olhos com as mãos secas e pôs-se de pé.

Enfiou os socos maiores que os pés, vestiu as calças de burel e em jejum caminhou apressado para o curral da vaca.

Ao abrir a porta, viu a Morena deitada.

Olhou para a vulva e reparou num muco claro que saía.

Percebeu de imediato que o animal estava prestes a dar à luz.

- Senhora mãe, senhora mãe, a Morena está a parir! - gritou o pequeno, ao mesmo tempo que corria em direção a casa.

A mãe preparava-se para deitar o lume ao forno.

Ao ouvir a voz aflita do filho, largou as ramadas dos pinheiros no chão negro da cozinha e ansiosa correu para o curral.

A vaca estava inquieta.

Ora se deitava, ora se levantava.

A barriga agitada deixava perceber as contrações. Uma bolsa de água era expulsa. A hora estaria perto. Era preciso ficar atenta. A Morena gemia e esbugalhava os olhos de dor.

Puxava... puxava... mas o bezerro não queria sair.

As horas passaram.

As aulas já tinham começado.

O 'Manel Jaquim' permanecia colado ao estrume, vendo e sentindo o sofrimento da sua mãe.

- Senhora mãe, não fique aflita! Tudo vai correr bem! Lembra-se da outra vez? A Morena esteve uma manhã para parir, lembra?
- Lembro, meu filho, mas este caso é diferente. O bezerro está virado ao contrário. Podemos perder a vaca e a cria. Isso seria uma desgraça, pois é tudo o que temos!

O animal sentia-se sem forças.

Foram horas de puxos em vão.

Deitou-se, estendeu as patas e parecia entregar-se à morte que a rondava.

Tia Donzelina chorava. Erguia as mãos ao Céu e pedia ao Senhor:

- Ó meu Deus, minha Santa Bárbara, Virgem Santíssima, não permitais que nada de ruim aconteça à Morena. Sejam Vossas mãos as parteiras e tirai o bezerro para fora!

Depois, pegou numa ponta do avental e limpou as lágrimas que lhe lavavam o rosto.

Do bolso, caiu o terço com contas de madeira que a comadre Luísa lhe tinha trazido, há muitos anos, da Nossa Senhora de Fátima.

Com muita fé, ajoelhou-se no chão coberto de sangue, apertou as contas dos mistérios nos dedos e disse ao filho:

- Reza comigo, meu filho, reza comigo! Deus Nosso Senhor vai ouvir nossas preces!

'Manel Jaquim' prostrou os joelhos em terra, juntou as palmas das mãos e em voz alta rezaram a oração que o Senhor nos ensinou:

- Pai Nosso que estais no Céu...

Ainda a reza não tinha chegado ao fim, e já o bezerro começava a mostrar as suas patas...

Graças a Deus!
Graças a todos os Santos!
Tudo correu bem, meu filho!
Obrigada, meu Deus!

- Agora corre, corre e vai para a escola!

Celeste Almeida-Autora do Texto
Publicado em
5/12/2022
na categoria
Caminhos na História
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