Bugalhão, no século XII uma "vila" cheia de vida que deu guarida ao rei D. Dinis.

Hoje, uma aldeia fantasma, enigmática e misteriosa!

De corpo mirrado e vestido gasto, é um lugar onde se vê o vento a dançar nos ramos dos carvalhos e castanheiros que abundam na mata cheia de segredos e lendas.

 

-Longe vai o tempo, em que os moradores abandonaram a aldeia e fugiram para a colina porque uma praga de formigas invadiu a aldeia!

 

-Longe vai o tempo, em que uma moura levada por um cristão, escolheu a morte para nunca mais se separar do seu grande amor!

 Hoje, jazem naquela rocha que chora lágrimas frias saídas dos corações apaixonados dos dois jovens!

Sítio sucumbido na amargura, atira-nos para uma distância ancestral, e deixa-nos embebecidos num olhar bucólico e telúrico.

Foi há muito tempo, mas os milagres de S. Mamede estão escritos no altar da capela solitária e na eternidade do santo.

Era uma vez uma mãe!... Pobre mãe que juntou suas lágrimas às daquele bebé inocente prestes a desfalecer nos seus braços agarrada à mama que nem uma pinga de leite tinha!

- Minha Nossa Senhora, não permitas que meu filho morra! Faz com que minhas mamas se encham de leite para matar a fome ao meu filhinho!

Ao olhar a imagem da Nossa Senhora que tinha em cima da mesa, viu outra imagem ao lado! Viu ou pensou ver, pois mais nenhum santo tinha em casa!

Era a imagem de S. Mamede!

Apressada, embrulhou o seu filho no farfalhar da capucha, apertou-o no gemido dos peitos e caminhou nas sombras da tarde!

-São Mamede, me ajude! Tenho que chegar a tempo!

A certeza, a confiança, a fé, eram a força que a empurravam. Quando chegou à capelinha, ajoelhou-se de olhar mortiço e suplicou ao Santo um milagre.

As mamas dela precisavam de leite, antes que seu filho lhe morresse nos braços.

Tia Beatriz arrastou o corpo curvada, na leveza da criança até ao altar.

De olhos postos no Santo, orou:

 

-São Mamede, Tu, que Te alimentaste do leite das corsas e das cabras no monte, dá o alimento para este meu filho, assim como davas o queijo que fabricavas aos pobres.
-São Mamede, Te peço em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

 

Com muita devoção rezou três Avé Marias, um Pai Nosso e uma Salve-Rainha.

Levantou-se e num ritual misterioso, tirou com os dentes um pedacinho do corpo do Santo e meteu-o à boca.

 

Seus peitos pareciam uma nascente. Dos bicos jorrou leite, muito leite!

 

Sentada sobre as pernas cruzadas, desapertou o alfinete que apertava a blusa e puxou  a mama para fora.

A criança com sofreguidão meteu-a na boca e, o leite era tanto que lhe escorria pela carinha que começava a sorrir!

De olhos poisados sobre a criança, tia Beatriz baixou as pálpebras e adormeceu no sono tranquilo do seu filho.

 

São Mamede ouviu a sua prece.

 

Foi apenas mais uma que lhe foi arrancar um pedacinho do corpo, para poder amamentar o filho que tinha vindo ao mundo!

Hoje, quem for rezar a São Mamede na capelinha do Bugalhão, poderá ver a imagem do santo todo lascado, tantas foram as mães que lhe comeram bocadinhos do corpo!

São Mamede, o Santo aleitado, que nunca deixa ninguém morrer à fome!

São Mamede de Bugalhão, a aldeia fantasma que deve o seu nome aos muitos bugalhos que cobriam o chão da mata!

Bugalhos caídos dos carvalhos centenários que contam histórias de rara beleza a quem gostar de ouvir os passarinhos a cantar e a água da Fonte Branca a suspirar!

 

 

 

Publicado em
1/5/2022
na categoria
Caminhos na História
Clique para ver mais do autor(a)
Celeste Almeida

Mais do autor(a)

Celeste Almeida

Ver tudo