A escola era uma antiga casa cedida para acolher as crianças ávidas de saber.

Numa minúscula sala estavam algumas carteiras de madeira, com buracos para os tinteiros brancos inexistentes.

O quadro, do tamanho das crianças, pendurado na parede, tinha a cor do isolamento daquela terra e da ausência do mais pequenino conforto.

O mapa suspenso num prego sentia o rasgo das mãos calejadas e dos pés descalços.

As janelas mantinham-se abertas dia e noite. Não, porque fosse esse o desejo da professora e dos alunos, mas sim, porque os vidros tinham sido vitimas do tempo e de alguma pontaria com as fisgas que esticavam nos dedos frágeis, ternos e sacrificados dos inocentes.

Uma imagem falava no silêncio e ocupava o lugar cimeiro.

No madeiro, Jesus Crucificado abraçava todos os pequeninos,que assim que entravam na sala, oravam para Ele.

Com os sacos de pano ou serapilheira atirados para o chão, às vezes com tanta força que a lousa se partia aos pedaços, levantavam as mãos em oração e em coro com a professora, faziam ouvir a sua prece:

- Ó Jesus, eu Vos ofereço o meu dia. Ajudai-me a ser um bom menino(a) e dai-me sabedoria para crescer à Vossa imagem.

Depois, faziam o Sinal da Cruz, sentavam-se em cima do seu já cansaço e aguardavam as ordens da professora que, entretanto, vestia a bata branca.

A bata da igualdade, do apagar da diferença.

A bata que escondia alguma peça de roupa, nunca, antes olhada pela gente pura e simples da aldeia.

Nos rostinhos das crianças podia ler-se o medo e a desconfiança.

Como seria aquela rapariga que os olhava com um sorriso?

Que queria ela, quando lentamente os beijou com carinho?

Seria o beijo de Judas que abria caminho para a traição?

Que estava a fazer aquela régua, carcomida pelo tempo, em cima de uma secretária retalhada por pedaços de vidas fugidias?

Era melhor não confiar e manter distância. Afinal, quase nenhuma professora gostava de ficar ali! Chegavam em cima dos passos fatigados mas tinham sempre forças para tomarem o caminho de volta!

Arrepiados, sentiam o corpo colado nas carteiras. As mãos suavam de incertezas.

O coração pulsava num abismo e na dureza do peito.

Mas...

Não foi preciso o sol entrar pelos buracos para trazer os aromas da linda aldeia de Pimeirô e, fazer daquela sala fria e sem sentires o lugar mais aprazível de se estar. Na frescura da sua face, no doirado do seu cabelo, uma espiga beijada pelo sol falou assim:

- Meus amores, estou aqui para ser vossa Amiga, vossa Mãe, vossa TUDO. Serei para cada um de vós, aquilo que de mim esperarem. E, podem crer, que eu não vou pôr os pés na serra, para fechar de novo a porta desta escola. Não parece, mas esta é a mais linda escola que uma criança e uma professora poderão ter.

Não acreditam? Esperem para ver e depois me dirão!

Não foram precisos muitos dias, para no horizonte da aldeia de Pimeirô, estendido até Vale de Papas, se ouvissem os gritos alegres de crianças, brincando na montanha do arco iris, de mãos dadas com o tempo!

Um tempo que me leva na saudade até às colinas rasgadas pelo prazer e regadas pelos ecos daqueles alunos, que perduram nas linhas das minhas memórias. :

Celeste Almeida: Autora do texto

Publicado em
30/6/2023
na categoria
Caminhos na História
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