Naquele dia tudo ardia.

Até as águas do rio pareciam arder!

O filho Carlos sobe na aflição até à estrada.

Com todo o corpo a tremer, os olhos cegos de pranto, pega no carro do irmão sem sequer saber conduzir.

Voa no chão até Ribolhos encurtando distância no perigo das quatro rodas e…. com toda a força do seu desespero, toca os sinos da igreja a rebate…

- Há fogo, há fogo! Acudam ao fogo no Porto Canal!...

 

Esquecem-se panelas negras ao lume!

Abandonam-se crianças que dormem em berços!

Perdem-se as águas na rega dos campos!

Deixam-se roupas nos lavadouros dos tanques…e faz-se uma nuvem de pó que cresce em direção ao rio.

Baldes, enxadas, cântaros…tudo se aperta nos dedos para salvar os bens do Tio Manel!

Da fábrica de serração dos Casais de Dona Inês, chega um 'camião'.

 

Corre-se já sem forças apertando o sustento da única casa que é cercada pelas chamas.

O 'camião' leva para longe o suor e os calos daquela família, tão acarinhada por todos.

Olhar uma vasta área que se perde das vistas, é desolador.

A morte cobriu de luto toda a esperança e reduziu a cinzas os segredos que cresciam nas raízes bucólicas do chão…

Mas… erguem-se preces.
Reza-se de joelhos exangues (banhados de sangue), olhando o universo.

Uma réstia de luz iluminou o negrume regado por lágrimas de gratidão.

 

A casa, o lar…continuava, milagrosamente, de braços abertos para aconchegar quem lhe dava vida.

 

Um milagre incompreendido que engrandece os desígnios de Deus.

Tarde em que os corações batiam em uníssono.

Tarde em que todas as mãos se estenderam no crepitar do fogo , insufladas pelo bafo da tragédia, mas amarradas pela honra das gentes…gentes que caminham sob o sentimento maior que habita nas almas que fazem a história de um povo.

Uma história sentida no vento fresco que murmura nas paredes vazias daquela casa, o eco da saudade de tanto amor escrito nas rugas do tempo.

Celeste Almeida, Autora do texto

Publicado em
4/8/2022
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Caminhos na História
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