Calaram-se as pedras!

Mas, para que são precisas palavras, quando dos seus veios, nas manhãs orvalhadas, brotam gotas cristalinas, peregrinas em tantos corações que nelas repousam!

São lágrimas de pranto de alguém que ali encostou o seu cansaço.

Lágrimas, de alguém que ali deixou correr um rio de lamentos, engrossado pela solidão.

São, também, estrelas, mil pontinhos de cristal, que alimentam o seio dos seus veios e brilham num altar dos céus, feito de rochas.

Ó quantos segredos, quantas memórias, se aconchegam na vossa dureza! Quantas melodias rasgam o horizonte, tocadas nas vossas frestas!

Quanta coragem parida do vosso ventre, desbravou a aridez da serra e da mais infértil fraga, nasceu a seara!

Quanta moagem sedenta, esfomeada, triturou o grão e o esmagou na vastidão das águas!

 

Vós, pedras do mais sereno leito, ou do mais alto penhasco, descalças no dia e na noite, semeiem no nosso corpo os trigais e teçam no silêncio as calçadas de linho, com fios de cabelos brancos.

Cabelos brancos aquecidos no fogo que arde nos dedos enrugados, erguidos com as mãos fechadas, suplicando um pouco do nada ao Senhor Deus!

Vós, pedras, feridas pelo vento, pela chuva e pelo sol, desfolhem o luar de agosto nos trilhos do tempo e abram levadas nos lençóis de água!

Deixem neles navegar todos os rostos adormecidos em sepulturas de urzais e em graníticas almas mergulhem arados afiados com corações a pulsar.

Vós, pedras, não permitam que trespassem vossa carne e incendeiem vossa essência!

 

Recusem-se a ser peregrinas do silêncio!

Ceifem os espinhos que vos torturam e vos querem amordaçar!

Gritem, desbravem horizontes, enterrem as manhãs de dor e vivam!

Vivam nas amoras, nas flores silvestres, na inocência das crianças, no infinito do nosso olhar, nos sonhos embalados pela luz da candeia...

Vivam nas orações rendilhadas de amor, no desejo da chegada e da partida, no tempo sem medida malhado no sangue da eira...

Vivam na saudade que vos abraça, no Povo que chora por vós...no coro angelical dos mistérios a rezar...

 

Mas, vivam...vivam em nós, com os versos ancestrais da vossa alma, montanha de mistérios, sussurrados no nosso rosário, grandeza das vossas glórias...

Celeste Almeida - Autora do Texto

 

 

Publicado em
30/9/2022
na categoria
Caminhos na História
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