Foi nas aldeias serranas que me habituei a ouvir as mais fantásticas, mas também as mais assustadoras histórias, lendas e coisas do além que, desde logo, me fascinaram pelo sobrenatural e por todos os mistérios que acarretam consigo

Vivi no meio das gentes que a única explicação que davam para os acontecimentos e manifestações do dia a dia, era serem obra de Deus.
No coração daquelas pessoas só a religião tinha lugar e só na religião procuravam a explicação da origem de todas as coisas, fruto do isolamento, do medo, do desconhecido e da miséria em que viviam.
Imaginarmos que, naquele contexto social, cultural e temporal, poderia haver alguém que tirasse proveito da crença que o povo tinha nas forças sobrenaturais e místicas em prol de algum benefício, seria quase um sacrilégio!
Sim, um sacrilégio, porque, ai daquele que não fosse temente a Deus e aos seus mistérios!

Será que um segredo tantos anos guardado pelo Constantino, atualmente, Presidente da Freguesia Ferreiros de Tendais, poria em causa a existência das bruxas?
Será?
Logo após terminar o exame da quarta classe, foi trabalhar para Lisboa, como tantos outros adolescentes montemuranos fizeram.
Sempre que vinha à terra, trazia novas motivações e conhecimentos que lhe permitiam olhar para aquela aldeia fechada ao mundo com outros olhos, principalmente, com mais ambição.
Sendo a única fonte de sustento a criação do gado e o cultivo da terra, a água nos lameiros era indispensável.
Havia os " botadoures" da água, que guardavam a água dia e noite, impedindo que as terras dos outros fossem regadas.
Alberto Cardoso era um " botadouro" que dificultava a rega dos outros campos.
Já de idade avançada, com o corpo trémulo e encostado a um pau, sentava-se junto das poças a guardar a água que corria para o seu lameiro, muitas das vezes, completamente saturado e encharcado.
Constantino tinha que arranjar uma estratégia para deitar a água para o lameiro dos seus pais. Ele sabia, que mal virasse as costas à poça,o senhor Alberto Cardoso a voltaria a mandar para o seu terreno!


Num certo dia, o seu irmão foi mandado às compras a Ferreiros. Lá havia uma loja que tinha de tudo um pouco.
Lembrou-se, então, de dizer ao irmão Carlos Alberto que trouxesse uma vela.
Nesse mesmo dia, Constantino tendo como cúmplice o amigo Zé Pereira, pegou na vela, partiu-a em três e à meia noite, foram espalhar os três bocados acesos no terreno da Barrogela.
E qual seria o " botadouro " que naquela noite se atreveria a ir mudar a água da poça?
Qual seria o " botadouro " que teria coragem de enfrentar àquelas luzes misteriosas que ardiam no lameiro?
No regresso a casa, encontrou o senhor Manuel Moita e fingiu estar tão estupefacto como ele.
- Ó tio Manel que luzes serão aquelas que ardem no meu lameiro?
Quer lá ir comigo ver?
O senhor Manuel acreditando serem as bruxas , respondeu temeroso:
- Cala-te lá! Nem pensar! Inda se fosse com mais "homes", agora com canalha!
