Embora a modernidade filosófica cartesiana tenha separado o corpo (res extensa) do espírito (res cogitans), o Reiki ressalta a concepção segundo a qual o corpo e espírito estão intimamente ligados para que aconteça a cura. E, nesse contexto, é importante problematizar o que estamos compreendendo pela palavra “cura”.  

É possível dizer que cura pode não ser necessariamente deixar de ter uma determinada doença. Cura pode denotar a expansão da consciência para um novo olhar para si e para o outro, independentemente de ter ou não um corpo sadio.

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Curar a si mesmo e contribuir para a cura do outro é um movimento de amor, que não pode ser entendido como sentimento que liga um casal, pais e filhos, por exemplo, mas o sentido de cuidado e de pertencimento à humanidade. Esse pertencimento liga-nos à Consciência Divina Universal, Deus para os cristãos, que reivindica que ‘não há cura sem perdão’.

A palavra cura em inglês é "heal" que deriva do termo "hal" que denota "todo", "sagrado", "saudável" (MCKENZIE, 2010, p. 54). O que é saudável não traz sofrimento ou dor. Sofrimentos decorrem de sentimentos, pensamentos, palavras e ações que alimentamos sobre nós mesmos e sobre os outros.  

Nesse horizonte, Arthur Schopenhauer, filósofo do séc. XIX, compreendeu que enxergamos o mundo por meio de nossas representações e que nossa vontade é desejante. Em regra, vivemos, segundo o filósofo, entre sofrimento e tédio. Sofrimento porque somos desejantes e nem sempre alcançamos nossos objetivos. Tédio porque ao satisfazer alguns desejos, mergulhamos num vazio até que novo desejo possa florescer. Por isso, a causa de nosso sofrimento está na maneira como sentimos, pensamos, falamos e agimos.

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Então, como curar-se? Como sair da dicotomia sofrimento/tédio?

Possivelmente, pelo autoconhecimento que pode ser proporcionado pela arte, pela ética e pela ascese. Pela arte, porque a contemplação estética nos faz sair de nós mesmos (ego) e experimentar a humanidade. Igualmente a ética e ascese, conforme entendia Schopenhauer, porque nos colocam no horizonte da alteridade e da compaixão.

O Reiki poderá nos ajudar?

É um caminho, por isso, no primeiro nível (Reiki 1) designamos como “o despertar”; o segundo nível (Reiki 2), “o transformar” e o terceiro nível (Reiki 3-A), “a realização”. Em cada uma das etapas o reikiano passa por profundas limpezas energéticas e expansão de consciência (DE’CARLI, 2020).

Mikao Usui, na única entrevista que concedeu, transcrita no manual Reiki Ryoho Hikkei (apud DE’ CARLI, 2020, p. 437-8), mencionou: “Nossa técnica terapêutica Reiki (...) objetiva a liberação para o conhecimento público, a fim de que todos recebam seus benefícios, obtendo bem-estar oferecido pelo Céu. (...) A técnica tem por objetivo, primeiramente, a saúde da mente e, secundariamente, a saúde física. Fortalece a mente e o físico”. Corpo e alma. Todos podem ser reikianos, não é preciso ter qualidades especiais e/ou conhecimentos específicos.

Vale lembrar que a Espiritualidade nada faz sem um propósito, há sempre o binômio necessidade-utilidade. Por conseguinte, pode-se refletir que "Curar-se é voltar a ligar-se com a alma. Nem sempre essa religação resulta em cura física" (MCKENZIE, 2010, p. 54), pode representar o fim de uma jornada, um ciclo de vida com mais consciência para nova trajetória, bem como a compreensão de que o fim depende do início. Sabemos que além do corpo físico há mais corpos sutis e que a doença física é um processo de limpeza do períspirito.

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Nos dizeres de Desmond Tutu e Mpho Tutu (2014, p. 11), "não há nada que não possa ser perdoado, nem ninguém que não mereça ser perdoado. Quando você compreende que estamos todos unidos uns aos outros - por nascimento, circunstância ou simplesmente por nossa humanidade comum - sabe que isso é verdade". Por isso, perdão pressupõe mudança de olhar, transformação interior, ou seja, expansão de consciência. Perdão e cura implicam-se mutuamente.

Ao perdoar o outro é a você que o perdão alcança. Você se liberta.

A lição a ser apreendida é que a expansão de consciência não é espontânea, mas decorre de uma vontade desperta para a tarefa de transformar suas próprias crenças limitantes, hábitos e pensamentos equivocados que geram ciclos intermináveis de sofrimento e dor.  Uma vontade que não se ocupa mais em buscar no outro o fundamento de sua dor. Uma vontade desperta que se entende como autora de sua própria existência. Essa vontade experimenta, progressivamente, diferentes, mas interligados, níveis de cura mental e física.

Referências:

DE' CARLI, Johnny. Reiki: Apostilas oficiais. Instituto brasileiro de pesquisas e difusão do reiki. 11. SP: Isis, 2020.

MCKENZIE, Eleonor. A bíblia do Reiki. O guia definitivo para arte do Reiki. SP: Pensamento, 2010.

OLIVEIRA, Clara M. C. Brum de. História da Filosofia Moderna. RJ: SESES, 2019.  

PETTER, Frank A. Manual de Reiki do Dr. Mikao Usui. SP: Pensamento, 2020.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. SP: Nova Cultural, 1997.

TUTU, Desmond; TUTU, Mpho. O livro do perdão. Para curarmos a nós mesmos e o nosso mundo. RJ: Valentina, 2014.

Publicado em
17/11/2021
na categoria
Reiki
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Clara Brum

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